Pág. 139
Nenhuma palavra dói mais do que a ausência de palavra. Você não é tolo e sabia muito bem disso. Você me impunha um silêncio devastador. Sumia, não dava notícias, fazia de propósito, queria me ver chegar perto da morte, paralizada, sem forças. Eu esperava o telefone tocar, ele não tocava. E se por ventura tocasse, não era a sua voz que eu escutava. Esperava o apito do meu computador avisando a chegada de um novo e-mail, ele não apitava. Esperava uma carta, um sinal de fumaça, uma mensagem no celular, esperava que você aparecesse e trouxesse com você alguma palavra. Esperava e esperava e esperava. E você não vinha. Você me deixava a sós com esse silêncio que dói mais do que um grito arranhado, do que um corte profundo na carne, que dói mais do que a palavra dor. Eu falava sozinha, cantava no banho, telefonava para amigos, enlouquecidas, atrás de uma voz, de uma palavra. Mas a sua não aparecia, e, quanto mais o tempo passava, quanto mais eu a procurava, menos esperança tinha de um dia voltar a me mexer.
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Não nos víamos havia mais de um mês. Você me ligou e disse: preciso vê-la. Eu não queria, mas também precisava, também queria. Quando ouvi a campainha, senti que tinha um encontro marcado. Quis fugir pela janela, mas não havia jeito. Estremecia de medo, de pavor, de desejo, de saudades de você. Pode entrar, eu disse, a porta está aberta. Eu estava na sala, sentada no sofá. Quando o vi, me levantei feito bicho ameaçado. A espreita. Você se aproximou e disse: saudades. Você sabia como me desarmar. Eu era ainda um bicho ameaçado, mas já não tinha meios de me defender. Meu corpo todo tremia por dentro, o sangue correndo acelerado. Por fora, era apenas uma menina desprotegida. Seu corpo estava muito próximo ao meu, quase colado, eu sentia sua respiração, seu cheiro, sua presença, mas não conseguia me mexer. Você está linda, ouvi. E esse foi o seu segundo golpe. O terceiro foi abrir os botões da minha blusa, os seios à mostra. Nos meus olhos havia lágrimas que não escorriam. Naquele momento tudo era extremo: o desejo, a alegria, o prazer, a dor. Tudo junto, tudo misturado, tudo um só e enorme, tudo imenso, todos os sentimentos a correr nas minhas veias, no meu corpo paralisado... Foi assim do início ao fim: você me tocava a pele, e eu não tinha pele.
Pág. 158
Tenho medo de ser feliz, quero ser feliz, tenho medo de ser feliz, quero ser feliz, tenho medo.
Pág. 167/168
Estou grávida, eu disse. Então tire, você afirmou, sem pudor algum. Tirar? Não tiro. Como assim não tira? Você acha que eu terei um filho agora? Acho não, respondi, você vai. Ah, mas não vou mesmo, você me assegurou. Ah, vai sim, retruquei, convencida. Veremos, você disse. E não tocamos mais no assunto.
Uma semana depois entendia a contradição de nossos desejos. Até hoje não sei se foi você quem fez isso ou se foi o meu medo. Tomávamos café da manhã juntos, como de costume, quando senti uma pontada aguda no ventre, feito cólica menstrual, porém muito mais intensa. Com as mãos na barriga, me contorci e tive raiva. Você se mostrou preocupado, veio próximo a mim e me abraçou: o que você tem? Não, respondi, apenas urrava de dor e o afastei para longe. No meu peito, só havia espaço para o ódio e a certeza de que era você. Fiquei com o corpo vergado, a dor a me tomar o ventre, até o momento em que vi, com a cabeça entre as pernas, um jorro de sangue saindo de mim, uma poça vermelha me manchando a pele, escorrendo pela cadeira. Sem levantar o rosto, chorei em desespero a morte do filho que eu já amava. Nem por um segundo nas horas que se passaram - nem mesmo quando já estava no hospital, refeita, certa de não correr perigo algum - ergui minha cabeça, nem por um segundo olhei em seus olhos: eu tinha medo de encontrar a resposta que eu refutava, de descobrir alguma confissão inóspita. Sim, eu tinha medo de que você não soubesse mentir bem o suficiente para me esconder a verdade.
Pág. 169
Entre a sobremesa e o chá, Raphael me perguntou: mas por que seu avô não veio, ele mesmo, tentar abrir a porta?
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Entre nós não havia amor. Havia medo.
Pág. 178
Quero gritar, mas tenho a boca amordaçada. Meu corpo esparramado na cama deste quarto podre e solitário é um corpo em silêncio.
Pág. 179/180
Duvido que exista alguém que nunca tenha sentido vontade de matar. Talvez poucos tenha sentido tão imensa vontade quanto eu, é verdade, mas imagino que ao menos uma vez na vida todos sintam o desejo macabro de ver no olho alheio o medo da morte. Cheguei a arquitetar planos nas minhas noites de insônia. Não queria apenas que você morresse, queria que fosse eu a matá-lo. Queria ver os seus olhos de desespero ao perceber que perderia a vidas nas minhas mãos. Como num filme, num livro. Como num desses jornais baratos que podemos comprar todas as manhãs e que trazem na capa a notícia de um assassinato descabido, um filho que matou a mãe ou um marido que matou a mulher por tê-la encontrado na cama com outro. Queria ser eu nos noticiários do dia seguinte: jovem mata namorado durante briga do casal. Tudo planejado, a briga, o local, a arma, o motivo do crime(legítima defesa: ele me matou primeiro). As vezes observar seu corpo dormindo, o ronco atrapalhando meu sono, o ar saindo em exagero pela boca, e ficava imaginando como seria perfurar o estômago de alguém, ver o sangue jorrando, a vida lhe escapando, correndo solta por entre os meus dedos. As vezes passavam-se horas e eu ainda a olhá-lo. As vezes você acordava e me perguntava: o que foi? Nada, só não consigo dormir. Você então me puxava para perto de si, colava o seu corpo no meu, de lado, as pernas se misturando umas às outras, e me beijava o pescoço. Sussurrava-me palavras does que eu mal compreendia e voltava a dormir. Eu, encolhida em seus braços, continuava a arquitetar meus planos, à espera da primeira luz da manhã.
Pág. 181
Vim a Portugal descobrir minhas origens e o que descobri foi outra coisa: não tenhas medo da palavra amor. Ele me disse isso como os olhos verdes quase a arder os meus, disse-me a palavra amor mesmo sabendo que não me amava(não ainda), e o amor ficou ecoando no quarto, ressonando, ressonando.
Quis segurar a frase, prender os sons entre os braços. Não sei se algum dia tive medo de amor, mas a palavra assim, solta no quarto, nunca ouvira nada tão doce. Não tenhas medo da palavra amor. Não, não tenho medo.
Pág. 182Como é cruel (e bonito) que a vida continue depois de você
Que lindo!
ResponderExcluirEsse livro é bom?
Bem, deve ser, né!!! haha
Aqui está o link da loja :]!
ResponderExcluirhttp://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=1745346938522668832