quinta-feira, 22 de maio de 2014

Gilberto Amendola - Era a mulher da minha vida, mas...

Meus olhos foram ficando vermelhos. Ela perguntou se eu nunca tinha visto uma mulher nua, se aquilo tudo era emoção, se eu estava prestes a chorar ou se tinha fumado alguma coisinha diferente no caminho.  Em pouco tempo, meu nariz também ficou congestionado.  Tosse. Muita tosse. Tosse feia e alguma dificuldade para respirar. Achei que ia morrer.

Não tinha mais clima.

Recolhi as roupas que tinham sido atiradas no chão e pedi uma carona até o pronto-socorro mais próximo.

Era a mulher da minha vida, mas tinha gatos.

*
A garota saiu do cinema dizendo que ele tinha feito o mesmo filme mais uma vez, que o roteiro era apenas uma desculpa esfarrapada para uma sucessão de gags de graça duvidosa e que, ainda por cima, não se sentia à vontade em assistir algo dirigido por alguém suspeito de abusar da própria filha. No mais, ela me esfregou na cara que sempre torceu pela Mia Farrow.

Não tinha mais clima.

Recolhi minha alma de cinéfilo do chão e comprei outro saco de pipocas.

Era a mulher da minha vida, mas não gostava do Woody Allen.

*
Quando ela foi embora, eu ainda estava dormindo. Carinhosa, deixou um recado pendurado, com um ímã de pizzaria delivery, na porta da milha geladeira.  No bilhete, uma marca de batom e os seguintes versos: “Eu te dei o ouro do sol/ A prata da lua/ Te dei as estrelas/ Pra desenhar o teu céu/ Na linha do tempo/ O destino escreveu/ Com letras douradas/ Você e eu...”

Não tinha mais clima.

Recolhi os caquinhos de Chico Buarque por debaixo da porta, reclamei baixinho, e voltei a dormir.

Era a mulher da minha vida, mas citava Victor e Léo.

*
Assim como o diabo, o amor que fica no quase também mora nos detalhes.

A lista de pecados capitais, aqueles que desclassificam uma pessoa da série A das nossas fantasias, costuma ser maior que a lista de exigências do camarim da Madonna.

Difícil encontrar alguém que caiba exatamente no nosso ideal romântico. A idealização do outro é a maior fábrica de solitários (as) do mundo.

No mais, esse papo de alma gêmea já está mais fora de moda que camisa regata e pochete na praia.

Aliás, eu mesmo  já perdi campeonatos por menos de um décimo, fui desclassificado por usar shampoo 2 em 1 e não saber dirigir. Difícil essa coisa de se encaixar nas expectativas de outra pessoa.

Por tudo isso, a partir de agora, vou tentar ser mais tolerante. Não vou deixar que nenhum “mas” intrometido levante uma barreira diante do próximo grande amor da minha vida.     

Que dizer...

Só não posso com gatos.

Tenho a impressão que a minha alergia será sempre maior do que o meu amor.

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