sábado, 31 de janeiro de 2015
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Gilberto Amendola - Os tatuados são Românticos, Exagerados e não Descamam.
Ela pediu um nome. Sempre entra alguém com essa vontade, quase todo dia, um inferno. Não adianta a cara feia, nem o preço alto por um rabisco sem capricho. O aviso “pense bem antes de se tatuar” é solenemente ignorado.
Em uma semana, ele escreveu no corpo alheio:
João, Márcio, André, Lucas, Maria, Ana, Bia, Lívia, Bruno, Otávio, Carla,
Josileine e Washington (esses últimos tatuados juntos, envolvidos por um
coração).
Ele conhece as estatísticas, tem a
experiência de anos de ofício, e sabe que pelo menos metade desses clientes
irão retornar um dia. Daí, o D vira o corpo de um dragão; o B, a barriga de uma
fada; o M, o símbolo do infinito; o C, uma estrela cadente; o W, a juba de um
leão.
O amor vira qualquer coisa.
Ele pensa demais sobre o seu trabalho. Pensa
sobre a ilusão de seus clientes, a certeza bruta de que o João, a Maria, a
Carla e até o Washington serão pra sempre. Não são. Quase nunca são.
O amor, costuma raciocinar o tatuador, desse
tipo que faz você escrever o nome de alguém no próprio corpo, é uma espécie de
fervor religioso, uma adoração que faz você se inflar de certezas e de nunca,
jamais, duvidar: “E se amanhã eu acordar diferente?” “E se amanhã o meu
parceiro acordar diferente?”
No mundo dos tatuados nada se transforma.
Lagarta não vira borboleta. Todo relacionamento é uma linha reta e, se eu te
encontrei no meio deste caos, no meio dos escombros de uma vida inteira, logo,
certeza, óbvio, você ficará comigo até que minha pele se desmanche e só reste
os ossos (ou o pó).
Os tatuados são românticos. Exagerados.
Descamam. Descascam. Querem trocar de pele, querem desenhos para cobrir velhos
amores, querem laser, querem tratamentos, infravermelhos, querem pagar o preço
de perder um amor. Tatuados são sofridos. São legais, mas sofridos.
Mas ela pediu um nome…
Ele quis inventar uma desculpa, quis passar
mal de propósito, quis sair correndo:
- Quero tatuar “Beto”.
- Beto?
- Filho?
- Não.
- Namorado mesmo.
- Ah…
- Beto?
- Filho?
- Não.
- Namorado mesmo.
- Ah…
O tatuador não fugiu. A ruiva queria tatuar
“Beto” no pulso esquerdo. Justamente, Beto. O apelido do próprio tatuador. Ele
se deixou levar pelo sonho de tatuar o próprio apelido no pulso de alguém. Imaginou
a história daquele rabisco na pele. O amor da ruiva. O sexo da ruiva. As tardes
de domingo com a ruiva. Os dois sendo felizes pra sempre e ela dizendo: “Vou
tatuar o seu nome”.
Ele caprichou. Como se aquela homenagem fosse
pra ele.
Quase no fim do trabalho, ele percebeu que a
Ruiva parecia emocionada:
- Tá doendo?
- Não. É que faz um mês.
- O quê?
- Acidente de carro.
- …
- Três anos de namoro. Mas um acidente estúpido…
- Não. É que faz um mês.
- O quê?
- Acidente de carro.
- …
- Três anos de namoro. Mas um acidente estúpido…
O tatuador, o Beto, terminou o seu trabalho.
Não cobrou da Ruiva. Ela insistiu. Ele não aceitou. Quando a ruiva saiu do
estúdio de tatuagem, Beto foi ao banheiro. Lavou o rosto e sentiu um pouco de
tontura. Tirou a camisa e se olhou no espelho. No peito, no reflexo do espelho,
tatuado em letras minúsculas, era possível ler um nome: “Daniela”. Um nome
escrito centenas ou milhares de vezes.
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